Empreiteira alvo da CPI do Cachoeira tinha contratos questionados por órgãos de controle
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foto: Hans Von Manteufeel |
RIO E SÃO PAULO - Obras com
problemas de infraestrutura, abandono de serviços, suspeitas de irregularidades
em licitações, uso repetido de termos aditivos e até a contratação de
funcionários fantasmas. Uma análise de contratos da Delta Construções com
prefeituras de grandes cidades do país mostra um retrato do tipo de trabalho que
a empreiteira vem concedendo ao poder público, hoje o único cliente da
construtora. No Rio, por exemplo, a Delta está sendo investigada pelo Ministério
Público. Já o Tribunal de Contas do Município (TCM) afirma que fará um
pente-fino em todos os contratos executados pela empresa número 1 do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) e alvo da CPI do Cachoeira.
O Ministério Público do Rio apura as dispensas de licitação do lixo para
a contratação da Delta pela prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense, com quem a empreiteira manteve contratos sem licitação no valor de
R$ 84 milhões na gestão do ex-prefeito Washington Reis - PMDB (foto), atual deputado federal. Os promotores querem saber ainda as circunstâncias que teriam levado
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Washington Reis |
a Delta a contratar 67 funcionários fantasmas
para trabalharem com o recolhimento de resíduos na cidade.
No ano passado, a Delta abandonou a coleta de lixo em Duque de Caxias e
foi contratada, sem licitação, pela prefeita de Nova Iguaçu, Sheila Gama (PDT),
por R$ 21,4 milhões para prestar serviço durante 180 dias. Segundo Washington
Reis, as concorrências foram feitas de acordo com a Lei 8.666 e aprovadas pelo
Tribunal de Contas do Estado do Rio.
Há outra investigação em Duque de Caxias sobre suposta fraude na
construção do Hospital Municipal Moacyr Rodrigues do Carmo, executada pela
Delta na administração de Washington Reis. Obras realizadas pela empreiteira em
parceria com as prefeituras de São Gonçalo, Porto Real e Niterói são alvos
também de inquéritos do Ministério Público.
Na cidade do Rio, o MP investiga contratos emergenciais de R$ 36,5
milhões feitos com a Delta pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), entre 2009 e
2011. A assessoria de Paes informa que o valor corresponde a apenas 10% do
total investido nas obras de reconstrução do município após as chuvas de abril
de 2010.
Desde 2008, e com previsão de conclusão em novembro de 2013, a
prefeitura tem contrato de R$ 163,5 milhões para a locação de veículos e
equipamentos de limpeza urbana. Em 2007, a Delta desistiu de prosseguir com o
contrato do Engenhão — como fez há dez dias com o Maracanã e, na semana
passada, com a Transcarioca—, sob o argumento de que não teria condições de
concluir a montagem da cobertura metálica a tempo para os Jogos Pan-Americanos.
Uma inspeção do TCM, concluída em 2011, apresentou sobrepreço de mais de 400%
em relação ao projeto básico do Engenhão.
Em SP, suspeita de documentos falsos
A má qualidade dos serviços prestados pela Delta foi o
argumento que a prefeitura de São João de Meriti usou, no começo do ano, para
ameaçar a empreiteira de multa de 20% do valor do contrato (de R$ 66 milhões),
além da suspensão dos pagamentos. A construtora optou por reduzir a sua
participação no consórcio que executa a obra de infraestrutura do PAC no
município a 1%. Era de 50%.
Um contrato de R$ 1,1 bilhão assinado em novembro do ano passado entre a
prefeitura de São Paulo e o consórcio liderado pela Delta para varrição de lixo
se tornou alvo de investigação do Ministério Público. Os promotores apuraram as
suspeitas de apresentação de documentos falsos pelo consórcio e abertura de
envelopes apesar da existência de uma liminar judicial com impedimentos ao
processo.
Quem assinou o contrato em nome do consórcio foi Heraldo Puccini Neto,
diretor da Delta para a Região Sudeste, que teve a prisão preventiva decretada
pela Justiça em Brasília na última semana a pedido da Polícia Civil, por
suspeita de envolvimento em esquema de fraude em licitações na área de
transporte público do Distrito Federal. Até a noite de sexta-feira ele ainda
estava foragido.
O contrato do lixo é o maior assinado pela Delta na cidade desde 2005,
ano em que a empresa recebeu R$ 11 milhões por serviços prestados à cidade. A
chegada de Gilberto Kassab (PSD) ao poder municipal, em 2006, representou um
salto para os negócios da Delta com a cidade. Em 2008, a prefeitura pagou R$ 38
milhões à empresa, valor que caiu no ano seguinte para R$ 35 milhões e voltou a
subir em 2010 e 2011, quando São Paulo pagou R$ 37,5 milhões e R$ 69,5 milhões,
respectivamente, à empresa. Os dados são do Sistema de Orçamento e Finanças da
prefeitura.
— No contrato do lixo já existem inclusive medidas judiciais por conta
de supostas irregularidades praticadas pela Delta e pelo presidente da comissão
de licitação — disse o promotor Silvio Antonio Marques, da Promotoria de
Justiça do Patrimônio Público do MP de São Paulo.
Na sexta-feira, o promotor encaminhou à Polícia Federal ofício em que
solicita documentos relacionados a irregularidades eventualmente cometidas pela
Delta ou por seus dirigentes na cidade de São Paulo, para verificar a relação
com o contrato do lixo e o diretor foragido.
O Ministério Público determinou a verificação de atestados apresentados
pela Delta para participar da licitação com informações sobre a implantação de
programas de educação ambiental em Poá e Itanhaém, onde já prestou serviços. Há
indícios de que os dados apresentados não sejam verídicos. As decisões tomadas
pelo presidente da comissão de licitação, como a abertura de envelopes com
propostas apesar de decisão judicial que a impedia, também estão sendo
questionadas.
Antes de vencer o contrato do lixo, a Delta já havia recebido R$ 155,7
milhões da prefeitura de São Paulo em contratos emergenciais de varrição, pagos
entre 2007 e 2011. Nos últimos sete anos, a construtora recebeu outros R$ 63,5
milhões a título de obras de urbanização, pavimentação de ruas e construção de
pontes.
Na noite de sexta-feira, a assessoria do prefeito Gilberto Kassab (PSD)
informou que a prefeitura foi notificada sobre o processo do MP, mas não teria
nenhuma declaração a fazer sobre os indícios de irregularidades.
Contratos da Delta em Campinas para varrição de lixo também foram julgados
irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Os negócios
se referem a serviço de recapeamento asfáltico, pelo qual a empresa recebeu R$
5,6 milhões. A assessoria da prefeitura informou que não há contratos em vigor
com a Delta, e os que existiam foram assinados pelos antecessores. Em nota, a
Delta disse ter “certeza da sua idoneidade e da lisura e transparência de todos
os certames que disputou e venceu”.
Transcrito por NÉLIO MENEZES (O fotógrafo da cabeça branca de Duque de Caxias – lembra!?)