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Ex-delegado Claudio Guerra segurando a bíblia |
Cinco jacarés e uma jibóia....
A Comissão da Verdade ouviu ontem o delegado capixaba Cláudio Guerra,
ex-agente do Departamento de Ordem Político e Social que afirmou ter
participado da morte e do desaparecimento de vítimas da ditadura. Segundo o
coordenador da comissão, Gilson Dipp, Guerra confirmou as declarações dadas ao
livro "Memórias de uma Guerra Suja", dos jornalistas Marcelo Netto e
Rogério Medeiros.
Entre
outros atos, ele disse que levou dez corpos para serem queimados no forno de
uma usina de açúcar em Campos (RJ). ![]() |
Usina de Açúcar de Campos/RJ |
Dipp afirmou que pessoas citadas por Guerra
também devem ser chamadas. "Ele sugeriu alguns nomes que podem nos dar
esclarecimentos a mais", afirmou. No livro, Guerra diz ter participado das
mortes do delegado Sérgio Fleury e do jornalista Alexandre Von Baumgarten. Ele
afirma ter decidido fazer as confissões após virar pastor evangélico. Guerra
também é acusado de outros crimes, como o de assassinar a própria mulher.
Trechos de seu relato foram considerados fantasiosos por historiadores. Há
casos contados de forma diferente por outros agentes da ditadura.
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A casa da morte |
Dipp disse
que o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, 74, também deve ser chamado. Ao
jornal "O Globo", Malhães detalhou a rotina de uma casa de detenção
clandestina em Petrópolis (RJ) durante a ditadura. Cinco jacarés e uma jiboia
teriam sido usados na tortura. Publicado no caderno ‘Poder’, da Folha.
Pata, Peta, Pita, Pota, Joãozinho e Míriam
A trajetória de Malhães no Exército está
relacionada com as principais operações deflagradas entre 1969 e 1974 contra a
luta armada, incluindo o DOI do Rio e, posteriormente, a Casa da Morte de
Petrópolis, já no CIE. Em entrevista de cinco horas ao GLOBO, na terça-feira,
ele disse que estava à beira de um rio, na região do Araguaia, quando sentiu a
terra mexer e descobriu que era o movimento de filhotes de jacarés. Conseguiu
capturar cinco, que batizou de Pata, Peta, Pita, Pota e Joãozinho, além de uma
jiboia de seis metros, chamada Míriam. Todos foram levados para a sede do DOI
no Rio.
— Os filhotes não mordiam. Só faziam um
tec-tec com a boca — disse, reproduzindo com a mão o abrir e fechar da boca dos
jacarés.
Pelo menos três ex-presos políticos confirmaram
ter sido vítimas de tortura com o uso dos animais.
O jornalista mineiro Danton
Godinho Pires, que ficou preso de 1969 a 1973, passando 90 dias no PIC,
recorda-se da jiboia Míriam:
— Eles chegaram com um isopor enorme,
apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra
imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas,
irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se
deslocar, arranhou o meu; chegou a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que
ela exalava, um fedor que custei a esquecer.
Já a cientista social Dulce Pandolfi, que
ficou presa no PIC de agosto a novembro de 1970, conta que foi aterrorizada por
um jacaré. Mas não sabe se foi o mesmo trazido por Malhães, uma vez que a
campanha militar no Araguaia teria começado depois:
— Eles trouxeram um jacaré amarrado e
colocaram sobre o meu corpo.
É um relato parecido com o da psicóloga
Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio. Ela conta que estava nua e
amarrada à cadeira, na cela, quando um filhote de jacaré passou pelo seu corpo.
Malhães, que hoje mora num sítio isolado na
Baixada Fluminense e diz que o Exército brasileiro da atualidade não é mais o
dele, contou que esteve no Araguaia no começo e na parte final da operação,
“quando o CIE assumiu”. Na época, ele pertencia às equipes de busca e
apreensão, as EBAs, espécie de embrião dos DOIs. O oficial não se recorda das
datas, mas garante que defendeu na ocasião a ideia de que que guerrilheiros do
PCdoB não poderiam ser enfrentados com forças regulares e uniformizadas:
— Guerrilha se enfrenta com guerrilha. Quando
fui, no começo no Araguaia, com o pessoal fardado, era muito fácil identificar
o Exército.
O ministro Gilson Dipp disse que a Comissão
da Verdade, inicialmente, pretende colher depoimentos em Brasília, mas está
disposto a abrir uma exceção se Malhães quiser falar. Ele garantiu que o único
objetivo do trabalho é recompor a verdade histórica. Lembrou também que a
comissão não tem caráter judicial nem está subordinada a qualquer órgão
governamental:
-— Como não tem fim jurídico, as pessoas não
precisam ter medo de depor. Nosso compromisso é com a História do Brasil.
Malhães revelou que cada equipe levava o seu
preso para a casa de Petrópolis. Ele disse que esteve no aparelho com seis
presos, mas não os identificou. Mencionou apenas os nomes de três oficiais do
CIE que também teriam atuado no aparelho clandestino, os então capitães e
majores Freddie Perdigão Pereira, Rubens Paim Sampaio e José Brant Teixeira.
—- Tem uns caras formadores: eu, Perdigão,
Sampaio. O Branzinho (José Brant Teixeira) era dos meus. Cada um tinha sua
equipe, e a levava quando subia — contou Malhães, que também admitiu a
existência de um outro major e de um “Dr. Guilherme”. Ele, no entanto, se
recusou a relevar os nomes dos dois.
Rubens Paim Sampaio também foi localizado
pelo GLOBO. Ele vive num bairro de classe média alta em Resende, interior do
Rio de Janeiro. Procurado, recusou-se a atender a reportagem.
—- Ele fez o trabalho que tinha que fazer
naquela época. É passado e ficou no passado. Ele não tem nada a declarar —
afirmou a mulher do oficial, Jeane Sampaio.
Malhães também confirmou o envolvimento do
cabo Félix Freire Dias e do sargento Ubirajara Ribeiro de Souza. Em entrevista
à revista “IstoÉ”, em 2004, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) disse que Félix
era o responsável por esquartejar os corpos dos guerrilheiros assassinados.
Entre eles estaria o do deputado federal, Rubens Paiva.
— Félix era um cara engraçado de se conviver
— comentou o coronel, ao dizer que o sargento Ubirajara pode ter feito parte de
sua equipe, mas negando que Félix pertencesse ao grupo também, embora talvez
atuasse com o então major Perdigão.
Ubirajara também se recusou a falar sobre o
assunto:
— Só com autorização do Exército.
Nos arquivos da Secretaria Nacional de
Direitos Humanos, constam os nomes de 26 militares que teriam atuado na casa,
dos quais oito ainda não identificados. Também são conhecidos os nomes do
coronel Éber Teixeira Pinto, do tenente-coronel Riscala Corbage, do
major-médico Ricardo Agnese Fayad, do capitão Aílton Guimarães Jorge (conhecido
como capitão Guimarães), do já falecido tenente-médico Amílcar Lobo, do
tenente-sargento Jurandyr Ochsendorf e Souza, do cabo Severo Ciríaco, do
delegado da Polícia Federal Orlando de Souza Rangel, do comissário da Polícia
Federal Luís Cláudio Azeredo Viana, do agente da Polícia Federal Luís Timóteo
de Lima, do soldado da PM/RJ Jarbas Fontes e, de patente não identificada,
Antônio Freitas da Silva.
Fonte- O Globo
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/relato-dos-poroes-cobra-jacares-na-hora-da-tortura-5305890#ixzz1yvGSRTsA
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