sábado, 30 de junho de 2012

A questão é?!.....


Será que a Lei da Anistia abrange questões cíveis?


                                                         
Resposta: Não
A anistia diz respeito apenas a sanções penais. Não trata das dimensões cíveis e administrativas. Agentes de Estado que praticaram ilícitos podem ser acionados civilmente por familiares das pessoas que foram vítimas desses atos e também pelo Estado.
A Constituição afirma que é dever do Estado indenizar as vítimas de ilícitos cometidos por seus agentes. Ao mesmo tempo, porém, assegura ao Estado o direito de cobrar desse agente aquilo que foi desembolsado.
Esse tipo de ação é imprescritível. Se a Comissão da Anistia desembolsou recursos públicos para indenizar vítimas de ilícitos, o Estado tem que localizar os responsáveis e pedir ressarcimento. O Ministério Público também pode promover ações nesse sentido. Se  preciso, deve recorrer à Comissão da Verdade e pedir ajuda para identificar os agentes.
Como regra geral o Estado pune quem comete ilícito. A Lei da Anistia é uma exceção. Sob o ponto de vista técnico e jurídico, portanto, deve ser interpretada restritivamente. Não está implícito que houve anistia cível.


 A anistia pode servir para evitar punições penais às pessoas, mas não para evitar a responsabilidade do Estado. Por conseqüência não pode impedir o direito do Estado de se ressarcir dos prejuízos causados pela conduta ilícita do agente.
Sim
A Constituição diz expressamente que o Estado responde pelos atos de seus agentes. Ela também assegura ao Estado o direito de cobrar do agente aquilo que gastou em decorrência do malfeito dele. São dispositivos constitucionais. É preciso levar em conta, no entanto, o alcance da Lei da Anistia. Ela apaga a pretensão punitiva do Estado. Qualquer ação contra agentes que ofenderam as leis penais não pode mais prosseguir.

Mas não é só. A lei também cobre todas as conseqüências desses atos. Não se limita ao ato penalmente punível.
No caso de guerrilheiros que mataram seus companheiros, de agentes policiais ou militares que cometeram ilícitos, a lei assegura que eles não respondem mais por esses atos, sejam eles de natureza penal ou cível. Se abrangesse apenas atos criminais não apagaria inteiramente o que deseja apagar.
Anistia é o perpétuo esquecimento de fatos que seriam relevantes juridicamente, tanto para efeitos penais quanto em outras áreas, cível e administrativa. No caso do coronel Ustra, se porventura continuasse responsável, poderia sofrer efeitos administrativos. Poderia ser exonerado dos cargos que tem, poderia ter que comparecer perante conselhos militares para dar explicações. Mas nada disso pode ser feito em decorrência da anistia.


Fonte - O Estado de S.Paulo




sexta-feira, 29 de junho de 2012

Nas favelas, no Senado e também pelo tribunal,pode roubar à vontade....


Contas sujas poderão participar das eleições deste ano, decide TSE

Ministro Antonio Dias Toffoli
Os políticos que tiveram contas de campanha rejeitadas pela Justiça poderão participar das eleições deste ano, segundo decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na noite de ontem. Por maioria de 4 votos a 3, o tribunal desfez decisão da própria corte que impedia a candidatura dos chamados contas sujas.
O julgamento foi retomado com o voto vista do ministro Antonio Dias Toffoli, que desempatou o placar de 3 votos a 3. Para Toffoli, a apresentação das contas de campanha - independentemente de elas serem aprovadas ou não - é suficiente para deixar o candidato quite com a Justiça Eleitoral.
O ministro ressaltou, no entanto, que caso as contas sejam apresentadas sem documentos, "de forma fajuta", a Justiça irá desconsiderá-las e o político será barrado. Durante a proclamação do resultado, o ministro Henrique Neves fez questão de ressaltar que a decisão diz respeito apenas a contas de campanha, e que os gestores públicos com a contabilidade reprovada por tribunal de contas continuam inelegíveis, conforme determina a Lei da Ficha Limpa.
Os ministros analisaram um pedido do PT e de mais 17 partidos para que o TSE reavaliasse a decisão de março deste ano que, por 4 votos a 3, passou a exigir a aprovação das contas de campanha para liberar candidaturas. A decisão tornou mais rigorosa a regra vigente até então - retomada esta noite - que pedia apenas a apresentação da contabilidade dos candidatos.
A inversão do placar foi possível porque, de março para cá, a composição do TSE mudou, com a entrada dos ministros Antonio Dias Toffoli no lugar de Ricardo Lewandowski e do ministro Henrique Neves substituindo Marcelo Ribeiro.
Toffoli seguiu a posição dos ministros Gilson Dipp, Henrique Neves e Arnaldo Versiani. Eles defenderam que o TSE havia extrapolado o que a lei exige ao cobrar a aprovação das contas. Na outra vertente, estavam os ministros Nancy Andrighi Cármen Lúcia e Marco Aurélio, para quem a intenção da lei é moralizar a atuação política, mesmo que isso não estivesse escrito expressamente no texto.

STF conclui julgamento que dá mais tempo de propaganda a partidos recém-criados
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu hoje, por maioria de 7 votos entre os 11 possíveis, que os partidos recém-criados têm direito a mais tempo de propaganda se conseguirem atrair deputados federais de outras legendas. A votação terminou com as considerações da ministra Cármen Lúcia Rocha depois de três dias de julgamento.
A decisão beneficiará diretamente o Partido Social Democrático (PSD), criado em setembro do ano passado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Atualmente, o PSD tem a quarta maior bancada na Câmara dos Deputados, com 52 deputados eleitos e 48 em exercício. A nova regra já vale nas eleições para prefeitos e vereadores deste ano.
Cármen Lúcia votou nesta manhã quando a maioria já estava formada. Ela seguiu a divergência aberta pelo ministro Joaquim Barbosa, negando a deputados federais que migraram para novas legendas o direito de levarem consigo o tempo de propaganda a que tem direito.
- Eu tenho medo de um sistema partidário tsunami, na hora que sai o eleito sai levando tudo, não deixando terra arrasada. O que é grave, porque ele é eleito com a estrutura do partido, e ele não pode sair fingindo que nada aconteceu -, considerou a ministra.
O STF julgou dois processos diferentes de uma só vez. No primeiro, o PHS pedia a divisão igualitária do tempo de propaganda entre os 30 partidos brasileiros. Na outra ação, sete legendas - DEM, PMDB, PSDB, PPS, PR, PP e PTB - queriam barrar a possibilidade de partidos novos conquistarem tempo de TV de parlamentares recém-filiados.
O relator Antonio Dias Toffoli, autor da tese vencedora, manteve a regra atual sobre a divisão do tempo de propaganda em rádio e TV -- um terço igualmente entre todos os partidos e dois terços proporcionais ao número de deputados federais dos partidos ou coligações.
Toffoli também entendeu que, se a legislação permite aos políticos mudar para novas legendas sem enquadrá-los como infiéis, a migração do tempo de propaganda também é legítima. No entanto, o ministro ressalvou que a regra só se aplica aos parlamentares fundadores, mas não aos deputados que decidirem migrar a qualquer momento. Ele foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto.
Além do voto divergente de Barbosa e Cármen Lúcia, uma nova tese foi aberta pelo ministro Cezar Peluso, para quem o tempo de propaganda deve ser dividido igualmente entre todas as siglas. Ele foi seguido pelo ministro Marco Aurélio.
A decisão do STF deve influenciar julgamento pendente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que a legenda de Kassab pede uma fatia maior do Fundo Partidário. Assim como o tempo de propaganda, a verba é rateada de acordo com a representação dos partidos na Câmara dos Deputados - 5% divididos igualmente entre as legendas e 95% distribuídos de acordo com a votação para deputado federal obtida nas últimas eleições.
O julgamento começou no dia 24 de abril, e Toffoli - que também integra o TSE - pediu vista quando o placar estava em 2 votos a 1 a favor do PSD. O ministro ainda não devolveu o caso para julgamento, alegando que aguardaria a decisão do STF sobre a questão da propaganda.
A definição sobre a propaganda também deve influenciar o impasse sobre a nomeação de integrantes do PSD para comissões técnicas do Congresso Nacional. Atualmente, os parlamentares encontram resistência porque se considera que o PSD não tem representatividade, pois não participou das eleições de 2010.

Fonte: Agência Brasil

Comentários da ANAPAP - "...Se pertencer ao Congresso Nacional ou se tiver prestes a fazer parte do mesmo!..."

Muito obrigado!
RESPOSTA DE INDIGNIDADE E REVOLTA COM A CONTINUIDADE DA SUJEIRA QUE ASSOLA CADA VEZ MAIS O NOSSO PAÍS.
TEM MINISTRO QUE NO AMAPÁ FOI CONDENADO COM DOIS PROCESSOS  E, ALGO INSÓLITO, FOI “DESCONDENADO”DOS DOIS MESMOS PROCESSOS E NOMEADO MINISTRO. De decisão em decisão,os senhores ministros do STJ,TSE e do STF, "chafurdam" cada vez mais na lama, não na lama medicinal das nossas instâncias hidrominerais, mas sim, nos chiqueiros montados nos gabinetes de Brasília-DF. Parabéns aos "quatro" senhores ministros por votarem na continuidade do processo de aterramento do lixo  da política "suja" e desonesto que os políticos perversos possam criar as suas próprias "rapinas" do mal. 
Em tempo: Hoje nós estamos falando sozinhos e a turma de ministros (sinistros) que votaram nisso que está aí, estarão rindo!, mas amanhã, poderão estar chorando,mas não se enganem, são lágrimas de crocodilo em abundância como "Cachoeira" . 

Uma falsa esperança!


O pedido que virou sentença de morte ! 
Angelo Pezzuti
                      Em depoimento de 1969, Angelo Pezzuti, líder do grupo de esquerda Colina, confirma que escreveu bilhete solicitando ajuda a Dilma para fugir da prisão. Tempos depois, ela sofreria nos porões da ditadura em Minas Gerais.
Documentos guardados no Arquivo Nacional revelam a existência de um dossiê produzido pelo regime militar contra Angelo Pezzuti, principal líder do Comando de Libertação Nacional (Colina), conhecido também com os codinomes Gabriel e Cabral. A compilação de informações intitulada As difamações de Angelo Pezzuti e presos da Penitenciária de Linhares revela que o líder do Colina foi confrontado com cópias de bilhetes interceptados pela repressão que culminaram nas torturas sofridas por Dilma Rousseff em Juiz de Fora (MG), como revelou o Correio/Estado de Minas, com exclusividade, em 17 e 18 de junho.
Em um dos depoimentos reunidos no documento da Divisão de Segurança e Informação do Ministério da Justiça, Pezzuti confirma que escreveu bilhete pedindo a Dilma ajuda para fugir da prisão. De acordo com o relato, datado de 12 de maio de 1969, Pezzuti contou com o auxílio de um outro preso, a quem ofereceu a contratação de um advogado e dinheiro, para o colega de confinamento repassar recados a Dilma e a Oroslinda Goulart, conhecida como Mônica.
Dilma Vana Roussef
Num dos bilhetes, Pezzuti teria pedido que Dilma e Oroslinda providenciassem carros, armas e dinheiro para a fuga dele. "O declarante escreveu então vários bilhetes para serem entregues a seu pai, à doutora Maria Toffani, a Dilma Vana Rousseff (Estela) e a Oroslinda Goulart (Mônica), que nesses bilhetes lembra-se ter pedido a seu pai para arranjar advogados e dinheiro para o preso, que à doutora Maria Tofani pediu para arranjar remédios, pois encontrava-se com amigdalite, e a Dilma Vana Rousseff e Oroslinda Goulart pediu para ajudá-lo num projeto de fuga, arranjando-lhe carros, armas e dinheiro, que reconhece as cópias dos bilhetes apresentados nesse momento", traz o relatório policial, com assinatura identificada como sendo a de Pezzuti. A mensagem nunca chegou às mãos de nenhuma das duas militantes políticas, sendo interceptada pelos agentes da repressão.A compilação da Divisão de Segurança e Informação ganhou o título de "as difamações" porque, além dos depoimentos dos integrantes do Colina, traz também as denúncias de torturas sofridas pelos declarantes. A reunião do material policial, apresentado como auditoria, e os relatos de agressão deixam claro que o detalhamento das ações do grupo e apontamento de colegas da organização f oram conseguido por meio de tortura. Os integrantes da organização denunciam agressões com choques elétricos no ânus e pancadas desferidas com remo curto.
Angelo Pezzuti assassinado
Os nomes dos torturadores também estão registrado no dossiê: "Thacir Menezes Sia, Ariosvaldo Hora, Scoralick, José do Carmo, Joel, Cabo Ferreira, Márcio, José Aparecido, Anésio, Geraldo, Vander, Bicalho. Os primeiros interrogatórios do inquérito foram levados a efeito, no Departamento de Roubos e Furtos de Belo Horizonte. Foram dirigidos por Luiz Soares da Rocha, chefe da Polícia do estado. Sob seu comando e de dois delegados, Lara Rezende e Márcio Cândido da Rocha, os prisioneiros foram barbaramente torturados".
Comando urbano A interceptação dos bilhetes assim como o plano de fuga, que continha o croqui das dependências da Penitenciária Magalhães Pinto, onde estava preso quando escreveu a Dilma, fez com que os interrogadores dedicassem mais atenção às menções do nome da ex-militante, atual presidente do país. O líder do Colina relata que Dilma era sua "conhecida" e costumava visitar sua casa, no "Edifício Solar". No dossiê contra Pezzuti, outros presos por fazer parter do Colina chegam a ser interpelados diretamente sobre a atuação de "Estela" e Cláudio Galeno Linhares, marido de Dilma na época. Os depoentes informam que, entre os participantes da organização, o casal também era conhecido como "Santos e Mariza".
Cláudio Galeno Linhares
Dilma ganhou importância no monitoramento dos militares quando emprestou a casa, em julho de 1968, para reunião que determinou a criação de uma direção nacional para o Colina. Até então, ela compunha célula do movimento estudantil, organização menor, sem poder de decisão, uma espécie de núcleo de base. Após a criação da direção nacional, o Colina se organizou nos setores de levantamento, inteligência, sabotagem, expropriação e comando urbano.
O dossiê contra Pezzuti também traz depoimento de Jorge Raimundo Nahas, atual secretário municipal de Políticas Sociais de Belo Horizonte, que relata a ascensão de Dilma na hierarquia do Colina, subindo de integrante de célula para o comando urbano. "A coordenação das células passou a ser formalizada e executada pelo comando urbano, que tinha poder de decisão sobre as células que não pertenciam aos setores militares. O declarante afirma que Dilma Vana Rousseff e Hebert Eustáquio de Avelar (Olímpio), por serem militantes considerados muito bons, tenham passado a pertencer ao comando urbano."

Fonte - Correio Braziliense


quinta-feira, 28 de junho de 2012

Viva! tomara que a comissão da verdade seja um sucesso! pois estamos......


.....em busca da Justiça !

"....dorme neném, que a cuca vai pegar!?........"

           Não sou historiador nem sociólogo. Não consultei nenhum livro para escrever o texto abaixo. Minha memória está se movendo como estilhaços do amado caleidoscópio que perdi, menino, em Vila Isabel.

Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: “Se cair vai ser pior”;

Para que senhoras que fazem seu honrado trabalho não sejam despedaçadas por cartas bombas;
Para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora;
Para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: “Nosso erro foi torturar demais e matar de menos”;
Para que presos em pânico não sofram ataques de jacarés açulados por antropóides;
Para que nunca mais teatros e livrarias sejam vandalizados e queimados;
Para que um estudante de psiquiatria não seja obrigado a passar por sentinelas de baioneta calada para ouvir um coronel médico dizer que “histeria é preguiça”;
Para que os brasileiros possam homenagear um autêntico herói nacional, João Cândido, com um monumento, sem que surjam energúmenos prometendo “voltar a explodir tudo se isso apontar para o Colégio Naval”;
Para que a nossa Força Aérea, que nos deu tanto orgulho na Itália, com seus valentes pilotos de caça, não atire pessoas, como se fossem sacos de lixo, no mar;
Para que um pai, ao se recusar a cumprir a ordem de manter o caixão lacrado, não se depare com o corpo destruído do filho, jogado lá dentro feito um animal;
Para que militares honrados não sintam “constrangimento” na busca de Justiça; para que cavalos (aqueles de quatro patas, montados por outros) não pisoteiem um garoto com a camisa pegando fogo por estilhaço de bomba, na Lapa;
Para que torturadores não recebam como “prêmio” cargos em embaixada no exterior;
Para que uma estudante não desmaie num consultório médico ao falar sobre as queimaduras do pai, feitas com tocha de acetileno;
Para que esquartejadores não substituam Tiradentes por Silvério dos Reis;
Para que inúmeros Pilatos ainda trambicando naquela casa de tolerância do Planalto vejam que suas mãos continuam cheias de sangue e excremento;
Para que nunca mais na vida de uma jovem idealista -o queixo firme, olhos faiscantes de revolta, com a expressão da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira – seja ceifada por encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas.
 Aldir Blanc - compositor. O Globo
Fonte:  http://anistiapolitica.org.br

  

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Plantão dos Anistiandos e Anistiados

Ex-delegado Claudio Guerra segurando a bíblia

Cinco jacarés e uma jibóia....
A Comissão da Verdade ouviu ontem o delegado capixaba Cláudio Guerra, ex-agente do Departamento de Ordem Político e Social que afirmou ter participado da morte e do desaparecimento de vítimas da ditadura. Segundo o coordenador da comissão, Gilson Dipp, Guerra confirmou as declarações dadas ao livro "Memórias de uma Guerra Suja", dos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros.
Entre outros atos, ele disse que levou dez corpos para serem queimados no forno de uma usina de açúcar em Campos (RJ). 
Usina  de Açúcar de Campos/RJ
Dipp afirmou que pessoas citadas por Guerra também devem ser chamadas. "Ele sugeriu alguns nomes que podem nos dar esclarecimentos a mais", afirmou. No livro, Guerra diz ter participado das mortes do delegado Sérgio Fleury e do jornalista Alexandre Von Baumgarten. Ele afirma ter decidido fazer as confissões após virar pastor evangélico. Guerra também é acusado de outros crimes, como o de assassinar a própria mulher. Trechos de seu relato foram considerados fantasiosos por historiadores. Há casos contados de forma diferente por outros agentes da ditadura. 

A casa da morte 
Dipp disse que o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, 74, também deve ser chamado. Ao jornal "O Globo", Malhães detalhou a rotina de uma casa de detenção clandestina em Petrópolis (RJ) durante a ditadura. Cinco jacarés e uma jiboia teriam sido usados na tortura. Publicado no caderno ‘Poder’, da Folha.
Pata, Peta, Pita, Pota, Joãozinho e Míriam
A trajetória de Malhães no Exército está relacionada com as principais operações deflagradas entre 1969 e 1974 contra a luta armada, incluindo o DOI do Rio e, posteriormente, a Casa da Morte de Petrópolis, já no CIE. Em entrevista de cinco horas ao GLOBO, na terça-feira, ele disse que estava à beira de um rio, na região do Araguaia, quando sentiu a terra mexer e descobriu que era o movimento de filhotes de jacarés. Conseguiu capturar cinco, que batizou de Pata, Peta, Pita, Pota e Joãozinho, além de uma jiboia de seis metros, chamada Míriam. Todos foram levados para a sede do DOI no Rio.
— Os filhotes não mordiam. Só faziam um tec-tec com a boca — disse, reproduzindo com a mão o abrir e fechar da boca dos jacarés.
Pelo menos três ex-presos políticos confirmaram ter sido vítimas de tortura com o uso dos animais. 
O jornalista mineiro Danton Godinho Pires, que ficou preso de 1969 a 1973, passando 90 dias no PIC, recorda-se da jiboia Míriam:
— Eles chegaram com um isopor enorme, apagaram a luz e ligaram um som altíssimo. Percebi na hora que era uma cobra imensa, que eles chamavam de Míriam. Felizmente, ela não quis nada comigo. Mas, irritada com a música, a cobra não parava de se mexer. O corpo dela, ao se deslocar, arranhou o meu; chegou a sangrar. Mas o maior trauma foi o cheiro que ela exalava, um fedor que custei a esquecer.
Já a cientista social Dulce Pandolfi, que ficou presa no PIC de agosto a novembro de 1970, conta que foi aterrorizada por um jacaré. Mas não sabe se foi o mesmo trazido por Malhães, uma vez que a campanha militar no Araguaia teria começado depois:
— Eles trouxeram um jacaré amarrado e colocaram sobre o meu corpo.
É um relato parecido com o da psicóloga Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio. Ela conta que estava nua e amarrada à cadeira, na cela, quando um filhote de jacaré passou pelo seu corpo.
Malhães, que hoje mora num sítio isolado na Baixada Fluminense e diz que o Exército brasileiro da atualidade não é mais o dele, contou que esteve no Araguaia no começo e na parte final da operação, “quando o CIE assumiu”. Na época, ele pertencia às equipes de busca e apreensão, as EBAs, espécie de embrião dos DOIs. O oficial não se recorda das datas, mas garante que defendeu na ocasião a ideia de que que guerrilheiros do PCdoB não poderiam ser enfrentados com forças regulares e uniformizadas:
— Guerrilha se enfrenta com guerrilha. Quando fui, no começo no Araguaia, com o pessoal fardado, era muito fácil identificar o Exército.
O ministro Gilson Dipp disse que a Comissão da Verdade, inicialmente, pretende colher depoimentos em Brasília, mas está disposto a abrir uma exceção se Malhães quiser falar. Ele garantiu que o único objetivo do trabalho é recompor a verdade histórica. Lembrou também que a comissão não tem caráter judicial nem está subordinada a qualquer órgão governamental:
-— Como não tem fim jurídico, as pessoas não precisam ter medo de depor. Nosso compromisso é com a História do Brasil.
Malhães revelou que cada equipe levava o seu preso para a casa de Petrópolis. Ele disse que esteve no aparelho com seis presos, mas não os identificou. Mencionou apenas os nomes de três oficiais do CIE que também teriam atuado no aparelho clandestino, os então capitães e majores Freddie Perdigão Pereira, Rubens Paim Sampaio e José Brant Teixeira.
—- Tem uns caras formadores: eu, Perdigão, Sampaio. O Branzinho (José Brant Teixeira) era dos meus. Cada um tinha sua equipe, e a levava quando subia — contou Malhães, que também admitiu a existência de um outro major e de um “Dr. Guilherme”. Ele, no entanto, se recusou a relevar os nomes dos dois.
Rubens Paim Sampaio também foi localizado pelo GLOBO. Ele vive num bairro de classe média alta em Resende, interior do Rio de Janeiro. Procurado, recusou-se a atender a reportagem.
—- Ele fez o trabalho que tinha que fazer naquela época. É passado e ficou no passado. Ele não tem nada a declarar — afirmou a mulher do oficial, Jeane Sampaio.
Malhães também confirmou o envolvimento do cabo Félix Freire Dias e do sargento Ubirajara Ribeiro de Souza. Em entrevista à revista “IstoÉ”, em 2004, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) disse que Félix era o responsável por esquartejar os corpos dos guerrilheiros assassinados. Entre eles estaria o do deputado federal, Rubens Paiva.
— Félix era um cara engraçado de se conviver — comentou o coronel, ao dizer que o sargento Ubirajara pode ter feito parte de sua equipe, mas negando que Félix pertencesse ao grupo também, embora talvez atuasse com o então major Perdigão.
Ubirajara também se recusou a falar sobre o assunto:
— Só com autorização do Exército.
Nos arquivos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, constam os nomes de 26 militares que teriam atuado na casa, dos quais oito ainda não identificados. Também são conhecidos os nomes do coronel Éber Teixeira Pinto, do tenente-coronel Riscala Corbage, do major-médico Ricardo Agnese Fayad, do capitão Aílton Guimarães Jorge (conhecido como capitão Guimarães), do já falecido tenente-médico Amílcar Lobo, do tenente-sargento Jurandyr Ochsendorf e Souza, do cabo Severo Ciríaco, do delegado da Polícia Federal Orlando de Souza Rangel, do comissário da Polícia Federal Luís Cláudio Azeredo Viana, do agente da Polícia Federal Luís Timóteo de Lima, do soldado da PM/RJ Jarbas Fontes e, de patente não identificada, Antônio Freitas da Silva.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

Reportagens- Revista Veja nº 30.806


A nova face do terror
                                                                                                        3 de junho de 1970
Capitão Carlos Lamarca 
 Pelos trejeitos e pelo tom da voz parecia realmente um cabeleireiro homossexual que entrava na clínica especializada pedindo uma operação plástica. Poucos dias depois, porém, descobriu-se que o cavalheiro de modos suaves que desejava tomar mais delicadas as linhas de seu rosto duro era Carlos Lamarca, um dos homens mais importantes do terrorismo no Brasil.A operação plástica de Carlos Lamarca, feita num hospital no Rio, onde foi apresentado com documentos falsos por médicos ligados ao movimento subversivo, era um dos segredos que as autoridades encarregadas da repressão ao terror no Rio mantinham até hoje em completo sigilo. Segundo essas autoridades, a ida de Lamarca ao Rio e especialmente sua decisão de modificar a aparência revelam uma ousadia próxima do desespero.
Lamarca estaria sentindo cada vez mais dificuldade em circular nas cidades, onde o cerco em torno dele está sempre mais apertado. Num trabalho minucioso, as investigações e as informações obtidas de outros terroristas presos têm permitido que seus passos sejam seguidos bem de perto. 

Capitão Lamarca e uma guerrilheira 
Recentemente, Lamarca foi visto no interior do Paraná, onde uma enfermeira que o conhecia bem o descreveu como um "homem envelhecido, com o rosto desfigurado e sem dentes". Posteriormente, sua passagem foi marcada numa cidade do Estado do Rio, onde manteve contatos com outros elementos do seu grupo. E nas últimas semanas surgiram indícios claros da presença de Lamarca, com um grupo de terroristas, nos campos de treinamento de guerrilha localizados no Vale do Ribeira, no sul de São Paulo. Lamarca estaria no Vale do Ribeira junto de uma companheira para tentar organizar um centro de treinamento de guerrilheiros.

OS PLANOS DE GUERRILHA - Um subversivo preso há três ou quatro meses no Rio dera informações imprecisas sobre os planos para instalar um centro de treinamento naquela região. Foi feita uma sondagem no Vale do Ribeira, sem resultados. Pouco mais de um mês atrás, outro terrorista detido voltou a falar sobre os campos de treinamento e forneceu os nomes de uma rede de terroristas que fazia o contato entre o Vale do Ribeira e outros elementos no Rio e São Paulo.
Essa informação desencadeou uma operação militar de envergadura que teve, segundo as autoridades, resultados positivos, já que apressou o desbaratamento da VPR (organização terrorista ligada a Carlos Lamarca), que aparentemente pretendia reorganizar-se para uma nova missão, a guerrilha rural.
Esses planos, provavelmente organizados pelo próprio Carlos Lamarca, não chegaram a surpreender as autoridades. Quando ainda oficial da ativa, no 4º Regimento de Infantaria, de Quitaúna (SP), Lamarca participou de vários treinamentos antiguerrilha naquela região. E em cartas apreendidas entre subversivos, encontradas em "aparelhos" no Rio e São Paulo, a instalação de um centro de treinamento para guerrilha está nos planos da VPR. Nem mesmo a possível presença de sua companheira naquela região poderia ser considerada como uma surpresa - no seu livrinho "Caminhos da Guerrilha", que tem circulação entre elementos ligados à subversão, escreve Carlos Lamarca: "0 guerrilheiro tem que trabalhar junto ao camponês, acordando cedo e trabalhando dez horas por dia com qualquer tempo. De preferência, deve ir para a região com a mulher, pois o camponês desconfia dos solteiros. Acha que procura relacionamento para conquistar-lhe a filha. Tem que assimilar o costume, a moral, enfim adaptarse completamente. Inicialmente, o camponês provocará para que o estranho se defina. Desconfia dele, normalmente, de infiltração policial e de estudantes".
0 livro de Carlos Lamarca, uma brochura magra, impressa em mimeógrafos, assinado sob pseudônimo de "Cid" e repleto de considerações sobre subversão armada e de críticas à atuação de outros grupos, foi um achado precioso para as autoridades.
Um exemplar do livro, datado de outubro de 1969, com uma citação de Mao Tsé-tung na capa ("Negai vossas ilusões e preparai-vos para a luta"), foi encontrado em um "aparelho" no Rio.
Em outro trecho escreve Carlos Lamarca, numa tentativa para justificar a violência: "... passa a ter um caráter educativo, quando ficar nítido que quem explorar deve morrer e quem permite que se explore também morra. Não há por que aceitar o humanismo burguês e as limitações devem ser unicamente de repercussão política (por enquanto); o humanismo marxista fundamentado na luta de classes é o único permissível".
OS PLANOS IMPOSSÍVEIS - A decisão de Lamarca de instalar centros de treinamento de guerrilha, tentando diversificar os métodos da subversão violenta, até agora mais preocupada com assaltos a bancos e atentados nas cidades, e a sua preocupação "literária" somente revelada agora seriam indicações de que o ex-capitão poderia surgir como um possível líder dentro das várias organizações terroristas? As autoridades acreditam que, se esses objetivos estão nos seus planos, são provavelmente irrealizáveis. A implantação de um foco guerrilheiro no Vale do Ribeira não traria riscos imediatos para a segurança. A área foi imediatamente cercada e, segundo as autoridades militares que acompanham as operações, não existiria a menor possibilidade de os terroristas conseguirem êxito apreciável. Segundo uma fonte militar, seriam necessários muitos focos guerrilheiros, instalados em regiões de características muito favoráveis (são poucas no Brasil), para se considerar a situação como grave. E as tentativas de doutrinação feitas por Lamarca no seu livro e em cartas apreendidas pelas autoridades (numa letra miúda, quase infantil, Lamarca vem mantendo uma constante correspondência com outros terroristas) se têm restringido apenas aos elementos de sua própria organização. Boa parte dessas cartas - que as autoridades estão convictas de serem de Lamarca - dedica-se a uma autocrítica, às vêzes muito severa, dos esquemas subversivos. Nelas, pacientemente, Lamarca anota as deficiências de sua organização, algumas delas evidentemente insanáveis. Numa carta, ele classifica como suicídio a incapacidade de obterem simpatizantes e colaboradores para a formação dos chamados "quadros legais" - subversivos ainda não identificados que atuariam como "doutrinadores" entre estudantes e operários para organizar "movimentos de massa". Em outras, Lamarca analisa o comportamento de elementos do grupo que reclamam da vida difícil que um terrorista é obrigado a levar, sem conforto, correndo riscos permanentes e sem tempo para "gozar os prazeres de uma vida burguesa".
CENSURA SUBVERSIVA - Julgando um documento redigido por um elemento do grupo (queixas amargas feitas por uma militante na época em que a VPR começava a se estruturar, onde classifica a organização como "alienada e alienante"), Carlos Lamarca redigiu uma espécie de circular para outros membros do grupo (veja a reprodução ao lado) onde condena a companheira e levanta o problema da censura interna na organização. Mais recentemente, escreveu sobre o seqüestro do cônsul japonês em São Paulo, analisando os nomes dos cinco subversivos exigidos como resgate. Dá muita importância a Shizuo Ozawa, o "Mário Japa", elemento que mais conhece o dispositivo de contatos com o exterior, principalmente Cuba.
Documentos como esse, mostrando as ligações dos subversivos e dos seus vários grupos ou facções com movimentos internacionais, são considerados de grande importância para as autoridades militares. Embora para boa parte da população essas ligações sejam evidentes, as autoridades consideram que as justificativas usadas pelos subversivos, classificando seus atos como "luta contra a ditadura" ou "contra a Revolução", podem soar como argumentos capazes de iludir certas áreas. Elas têm em seu poder uma quantidade muito grande de provas dessas ligações internacionais do movimento subversivo que apenas se sustenta, depois da série de derrotas sofridas, através de articulação e ajuda financeira externa pelo menos para os grupos mais importantes e encaminhada aos escalões mais elevados. Ainda segundo as autoridades, alguns brasileiros asilados no exterior (são citados principalmente Miguel Arraes e Leonel Brizola) ajudam indiretamente a subversão interna, procurando criar uma imagem deformada do Brasil. Essas ligações podem ser exaustivamente comprovadas por troca de correspondência e nos depoimentos de muitos subversivos presos. Num documento apreendido recentemente num "aparelho" do Rio, de autoria de Régis Debray, preso na Bolívia por atividades subversivas, existe um balanço do movimento terrorista da América do Sul, especialmente no Brasil, com uma detalhada visão de partidos, frentes e organizações revolucionárias. Outro documento apreendido, assinado pela VAR-Palmares (organização criada com a fusão da VPR com o movimento denominado Colina e, segundo as autoridades, completamente comprometida em seus quadros pelas prisões já efetuadas), intitulado "Comunicado ao governo e ao povo cubano", afirma que essa organização procurava "extrair os ensinamentos básicos dos acontecimentos que convulsionaram Cuba". Nesse documento, os líderes da VAR-Palmares traçam também um perfil da escalada da subversão no país, criticando alguns aspectos do movimento. Fazem referências ao PCB, que, "seguindo a orientação da Internacional, dirigida de Moscou, já na década de 30 começou a sua marcha para a direita, na crença oportunista do potencial de uma burguesia nacional". Depois de apontar como inaceitáveis as posicões do velho partido, critica a posição de outras facções que têm como tese que "a revolução é nacional e democrática" ou que "a revolução, além de nacional e democrática, deve atribuir ao proletariado a tarefa de executar a missão abandonada pela burguesia, na luta armada. 0 caminho dessa luta seria o campo, mas o peso das cidades é muito importante e não é viável a luta armada sem que primeiro se solidifique a base urbana". Nesse comunicado, as longas teorizações sobre a ação subversiva são aompanhadas de frases de efeito: "A VAR-Palmares nasceu com a firme disposição de empunhar seu fuzil até a destruição final do capitalismo internacional", ou, então, "hoje não se faz política sem fuzil e o fuzil sem política é o fanatismo religioso e inconseqüente".
O HEROÍSMO INÚTIL - Que chances teriam essas teses de serem aplicadas na prática, no Brasil? 0 próprio documento da VAR-Palmares ao povo cubano admite que "é necessário um poderio muito grande para iniciar a luta armada no país. Uma pequena organização contando com a boa vontade dos seus militantes, só pode dar origem a alguns heróis mortos". E haveria condições para a implantação de uma guerrilha rural duradoura no país? As autoridades militares ouvidas por VEJA na Guanabara acreditam que não. As várias tentativas para se organizar um movimento armado no campo fracassaram até agora. Os acontecimentos das últimas semanas no Vale do Ribeira parecem indicar mais um fracasso. Embora nem mesmo tenha chegado à guerrilha, limitando-se a instalar campos de treinamento, a situação do pequeno grupo localizado no Vale é, segundo as autoridades, bastante precária. Houve um rápido choque entre os terroristas e as tropas que percorrem a região, mas essa ação tecnicamente não pode ser interpretada como um ato de guerrilha. Tratava-se apenas de uma tentativa, feita por um grupo reduzido, de fugir ao cerco armado pelos soldados do Exército e das polícias militares de São Paulo e do Paraná. Atualmente, os poucos remanescentes do grupo subversivo parecem aguardar, protegidos pela mata impenetrável da região, um golpe de sorte para tentarem a fuga. As autoridades encarregadas de reprimir o terror no Rio e em São Paulo continuam mais preocupadás com a ação que os subversivos possam exercer nas grandes cidades.
OS GOLPES DA AUDÁCIA - Embora o movimento subversivo tenha sofrido uma série de derrotas no Rio e São Paulo (sua maior vulnerabilidade seria a falta de liderança), o que provocou o desmembramento dos seus quadros em pequenos grupos, muitas vezes sem comunicaçao com os outros, as autoridades admitem que elementos remanescentes tentem dentro de certo prazo se reagrupar, ou organizar frentes ou alianças. No Rio, a situação hoje é considerada muito diferente de seis meses atrás, quando o terrorismo atingia seu clímax com o seqüestro do Embaixador Charles Elbrick e com a morte do soldado Elias Santos, fuzilado por terroristas durante uma diligência num "aparelho". Esses dois episódios ao mesmo tempo revelaram a disposição e a audácia dos terroristas e motivaram uma reformulação. no mecanismo de combate à subversão violenta. Esse combate passou a ser coordenado pelo Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), formado por elementos das Forças Armadas e polícia civil (em São Paulo, o mesmo esquema estava sendo aplicado pela Operação Bandeirante). De novembro de 1969 até maio deste ano, pelo menos vinte organizações subversivas foram localizadas e algumas totalmente desarticuladas no Rio, com a prisão de mais de trezentas pessoas. Na semana passada, as autoridades divulgaram a prisão do líder de um novo grupo, o PRT (Partido Revolucionário Trabalhista), chefiado pelo ex-Padre Alípio Cristiano de Freitas. De 41 assaltos a bancos e carros-pagadores, 36 estão solucionados e trinta são de autoria de terroristas. As autoridades conseguiram ainda evitar uma ação isolada de um grupo que, no dia 21 de abril, iria seqüestrar um diplomata, numa operação que, se realizada, teria tanta repercussão como o caso Elbrick: o grupo foi descoberto e preso dias antes do atentado. Os seguidos insucessos do terror não são entretanto considerados como uma vitória definitiva. Numa guerra convencional, depois de uma batalha, somadas as baixas e considerado o valor estratégico de uma posição conquistada, é fácil saber exatamente até que ponto as forças do inimigo foram abaladas. Na guerra contra o terrorismo, onde o inimigo raramente é visto frente a frente, existe sempre a possibilidade de golpes de audácia bem sucedidos. Às vezes, nem mesmo depois de um ataque se pode saber quem era o inimigo e quais os seus objetivos. Na semana passada, em São Paulo, os órgãos de repressão ao terrorismo anunciaram a prisão de uma quadrilha de assaltantes de banco. Formada por bandidos comuns, ela é apontada como responsável por mais de duzentos roubos a mão armada, entre eles o assalto ao carro-pagador da União de Bancos Brasileiros. Nesse assalto foram roubados 517.000 cruzeiros. Esse dinheiro, na intrincada contabilidade dessa guerra, estava creditado aos terroristas como resultado de sua ação mais importante em São Paulo. Mas, no mesmo dia em que se divulgava que eles não haviam obtido essa vitória, os terroristas aparentemente conseguiram dar um novo golpe: um assalto (190.000 cruzeiros) à agência do Banco do Brasil no Jabaquara, em São Paulo, acompanhado de panfletos de um grupo subversivo ainda inédito, o Movimento Revolucionário Tiradentes. Tudo indica porém que, nessa guerra muito peculiar, o aparecimento de novas frentes de combate e os lances de ousadia, como a operação de Carlos Lamarca, significam não uma vitória, mas apenas uma tentativa de continuar lutando.


É muita sacanagem, falta de escrúpulos e cara de pau !


Aí tem?! “CAROÇO NESSE ANGÚ!” - Brasil não reabrirá investigação sobre Herzog

Governo diz à OEA que família já teve reparação e fica uma pergunta: - "Que reparação foi essa?!
                                  

O governo brasileiro informou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos que não vai reabrir a ação criminal sobre a morte do jornalista Wladimir Herzog devido à Lei de Anistia. O país havia dado a mesma justificativa quando foi questionado em 2010 pelas mortes na Guerrilha do Araguaia. A família de Herzog e entidades de direitos humanos vão contestar na Corte a resposta brasileira. O Brasil foi denunciado em março deste ano pelo caso Herzog.
- Recebemos com muita decepção. Estava esperançoso de que o governo, em função de instalação da Comissão da Verdade, fosse ter outra posição - desabafou Ivo Herzog, filho do jornalista, assassinado durante a ditadura.
Enterro do jornalista Vladimir Herzog
Militante do Partido Comunista e diretor de jornalismo da TV Cultura, Herzog compareceu espontaneamente para prestar depoimento no dia 24 de outubro de 1975, na sede do DOI-Codi, em São Paulo, depois de ser convocado pelo Exército para esclarecer suas atividades políticas.
No dia seguinte, foi apresentado como morto em sua cela por enforcamento com o próprio cinto. A versão foi contestada, já que os prisioneiros não ficavam com cinto. Ele também tinha marcas no pescoço que sugeriam estrangulamento como causa da morte. Outros prisioneiros relataram que Herzog foi torturado. Na época, o rabino Henry Sobel se recusou a enterrar Herzog, judeu, na área do Cemitério Israelita de São Paulo reservada para suicidas. O caso foi emblemático na luta pela redemocratização.
As entidades que apresentaram o caso Herzog à OEA acusam o governo brasileiro de não cumprir o "seu dever de investigar, processar, e sancionar os responsáveis pelo assassinato de Vladimir Herzog". Na denúncia, as entidades afirmam que o jornalista foi executado após ter sido arbitrariamente detido por agentes do DOI/CODI de São Paulo e lembram que a morte foi apresentada à família e à sociedade como um suicídio.
A investigação oficial do Estado brasileiro foi realizada por meio de Inquérito Militar, que concluiu pela ocorrência de suicídio. Seus familiares propuseram em 1976 uma ação civil declaratória na Justiça Federal que desconstituiu esta versão. Em 1992, o Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura de inquérito policial para apurar as circunstâncias do fato, mas o Tribunal de Justiça considerou a Lei de Anistia um óbice para a realização das investigações.
Em 2008, foi feita outra tentativa para iniciar o processo penal contra os responsáveis pelas violações cometidas. No entanto, o procedimento foi novamente arquivado, desta vez sob o argumento de que os crimes teriam prescrito.
Para a Corte Interamericana, as disposições da anistia não podem impedir a investigação e punição de responsáveis por "graves violações de direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitárias". 

Ivo diz que a OEA não tem o entendimento de que a Lei de Anistia impede a apuração.
- Para a Corte Interamericana, tortura e assassinato são crimes que não podem ser enquadrados na Lei de Anistia - explicou Ivo.
A família reclama do fato de, até hoje, o atestado de óbito do jornalista apresentar o suicídio como causa de morte.
- Isso é uma tentativa de promover uma farsa. Não seremos coniventes com essa farsa. Queremos um atestado de óbito que reproduza as causas verdadeiras da morte.
Na defesa na OEA, o Brasil informou que houve reparação à família devido a um prêmio concedido pela Presidência da República ao Instituto Wladimir Herzog. Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República disse que a família de Herzog foi indenizada em 1997 e que o Estado "já reconheceu publicamente sua responsabilidade pela prisão arbitrária e morte".


Fonte - O Globo junho de 2012 


Em artigo escrito no dia 01 de novembro de 1978 pela Revista Veja : 

Sob o império da lei
Com a sentença que declara a
responsabilidade da União
no caso Herzog, a Justiça
brasileira sobe ao degrau onde
só cabem as nações civilizadas

O processo 136/76, ação declaratória, onde os autores são Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog, e a ré é a União Federal, terminou. A sentença de 67 laudas, com cerca de 17.000 palavras, ficou pronta na quarta-feira da semana passada - por coincidência, 25 de outubro, quando se completavam exatos três anos da morte de Vladimir Herzog, marido e pai dos autores da ação. Durante os dois dias seguintes, como acontece com qualquer dos milhares de ações que atulham a Justiça Federal em São Paulo, realizou-se o trabalho de datilografia, na 7ª Vara, encaixada no 8º andar de um prédio da central praça da República. Ali, na última sexta-feira, desviando-se das obras do metrô, os advogados Marco Antônio Rodrigues e Samuel MacDowell compareceram, como faziam rotineiramente, para saber do andamento da ação. Alguma novidade? Sim, desta vez o juiz Márcio José de Moraes tinha para eles uma enorme novidade: não só acabara de assinar a sentença como também declarava a União responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI paulista, órgão de segurança do II Exército, no dia 25 de outubro de 1975.
A decisão do juiz Márcio José de Moraes provocou, simplesmente, a mais crucial mudança de substância já mais registrada no desenvolvimento da questão dos direitos humanos no Brasil - e, por conseqüência, pode estar sendo o ponto de partida para fundas, eventualmente decisivas alterações de qualidade na própria face política do país. "0 mais importante, nisso tudo, é a presença do Poder Judiciário no processo de abertura política", disse na noite de sexta-feira a Flávio Pinheiro, de VEJA, o presidente nacional da OAB, advogado Raymundo Faoro. "A decisão do juiz reabre uma participação real da Justiça na vida do país, como poder independente."
De fato, a sentença encerra um tumultuado período em que a questão dos direitos humanos, no Brasil, era tratada fora dos circuitos legais do poder - como um item puramente moral ou, então, como mero arsenal para ataques ao governo. Desde a semana passada, com a sentença do juiz Moraes, um dos três poderes constituídos da República deixa enfim estabelecido que o Estado é responsável, objetivamente, por aquilo que faz. Ou seja, se alguém morreu, desapareceu ou sofreu violências enquanto estava sob a guarda dos serviços de segurança, vale não mais a regra das ditaduras, que é excluir o fato da apreciação da justiça, por supostos interesses superiores de Estado - e, sim, a regra das democracias civilizadas, que é fazer a administração pública responder pelos atos de seus agentes.
Raimundo Faoro - Presidente
CENTRO NERVOSO - Há quem, como o mesmo Raymundo Faoro, veja se melhanças entre essa nova presença da justiça e o processo político de 1945, quando se encerrou a ditadura de Getúlio Vargas. E, com efeito, parece inevitável que Justiça independente e regime autoritário não podem coabitar no mesmo país. "Um único homem, isolado numa vara cível, pôde tomar uma decisão capaz de vulnerabilizar toda a força do Estado", disse a VEJA o advogado Samuel MacDowell. "Esta é a grande vitória que alcançamos: demonstrar a todos os brasileiros que a ordem legal pode ser mantida."
Aí, na verdade, está a dimensão principal da histórica decisão da semana passada. Muito mais que uma derrota do regime, ou de algo que deixa mal o governo, o triunfo da ordem legal fixa um princípio - o de que o Estado brasileiro, mesmo nas questões de segurança, não pode estar acima das leis. É isso, no fundo, que faz a diferença entre Uganda e Inglaterra, entre a barbárie institucional e a civilização. E é por isso que o caso Herzog deixou de ser um episódio que diz respeito apenas a sua famílía, aos jornalistas das capitais e a algumas centenas de intelectuais, para se transformar no marco inicial de uma estrada inteiramente nova para a caminhada da questão dos direitos humanos no país.
A questão é fundamental não tanto, talvez, pelo número de brasileiros vitimados por violências em conseqüência de sua atuação política - de um ponto de vista puramente estatístico, poder-se-ia até dizer que são poucos. Mais que isso, ela mexe com o centro nervoso do regime ao colocar o problema da segurança dos cidadãos em relação a quem está ocupando o poder. Ou, até mesmo, ao colocar o problema de quem manda no país, se os funcionários relacionados no organograma oficial da administração ou as pessoas que controlam os serviços de segurança - e ali vão desenvolvendo, quando não subordinados à lei, uma espécie de governo paralelo.
VICE REIS - Neste sentido, o caso Herzog, desde o seu início, tem sido exemplar. A sentença do juiz Márcio Moraes é um marco decisivo, mas a verdade é que o país começou a mudar já com a própria morte do jornalista.
Pela primeira vez, na ocasião, a imprensa então livre de censura previa entrou de rijo numa questão deste teor - e, depois, não parou mais. Uma semana após a morte, 8 000 pessoas se concentravam na Catedral da Sé, em São Paulo, para um ato ecumênico -- a primeira manifestação de tal porte, após longos anos de silêncio. E dois meses depois, quando uma segunda morte - a do operário Manuel Fiel Filho - ocorreria nas dependências do DOI-CODI paulista, o presidente Ernesto Geisel demitiu sumariamente de seu posto o general Ednardo d'Avilla Mello, comandante do II Exército.
Era o início do desmantelamento do governo paralelo, a liquidação dos vice-reis militares que exerciam largas fatias de poder em suas regiões. 0 "Sistema", que pretendia tutelar o governo, começou a desmoronar - a ponto de, hoje em dia, quase não se falar mais nele. E a própria utilização da tortura entrou em progressivo declínio. Agora, com a decisão do juiz federal, as mudanças ganham uma substância institucional mais permanente. Seus desdobramentos podem ser múltiplos. "A sentença inicia um processo animador para a investigação de casos de pessoas desaparecidas", sugere Raymundo Faoro. "A liturgia é a mesma." Na verdade, se a Justiça puder seguir livremente seu curso, e outros casos como o de Herzog tomarem o mesmo caminho, os brasilei ros estarão virtualmente entrando num outro país - nada será como antes, após a decisão do processo 136/76.
FATO INCONTROVERSO - Forense a cada linha, rica em citações de doutrina, a sentença do juiz Moraes se esmera em seguir, com rigor, a melhor técnica processualística. Principia por um circunstanciado relatório baseado nos autos do processo. E esse histórico que se estende pelas primeiras 23 laudas, sintetiza com precisão os sombrios dias de São Paulo e da vida brasileira no segundo semestre de 1975. Pela documentação dos autores e da ré, transparece claramente a luta desigual que então se travava. De um lado, a família acusava: Herzog fora morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-CODI, do II Exército. Do outro, a União insistira que Herzog se apresentara espontaneamente ao DOI-CODI e ali se suicidara voluntariamente.
A sentença, do ponto de vista técnico, dá a impressão de não deixar brechas. "É o relatório. Passo a decidir", está lá escrito, começando pelo "fato incontroverso nos presentes autos que Vladimir Herzog ( ... ) sofreu morte não-natural" quando se encontrava no DOI-CODI. Daí em diante, até a lauda 32, segue-se um detalhado arrazoado sobre a responsabilidade do Estado em ações ou omissões de funcionários que resultem danosas a pessoa sob sua guarda. Depois, até a lauda 41, fica demonstrado, à luz da ciência do Direito, que a legislação brasileira adota esse princípio da responsabilidade em disposições que vêm da Carta Imperial de 1824 à Constituição de 1967 e à Emenda Constitucional 1/69, em vigor.
Por fim, como um martelo, a sentença do dr. Moraes vai golpeando tudo aquilo que andou encoberto e inatingível durante todos esses anos. "Cela", "detido", "grade", "prisão" e outros termos encontrados em documentos e testemunhos apresentados pela própria União são pinçados para demonstrar que Herzog estava efetivamente preso.
"Porém há mais", indica a sentença. "Pelo que consta destes autos, Vladimir Herzog estava preso ilegalmente." E vem uma relação de artigos e parágrafos da Constituição, da Lei de Segurança Nacional, do Código de Processo Penal Militar. Em todos esses diplomas legais, com mudança de uma ou outra expressão, estabelecem-se garantias mínimas ao prisioneiro - todas elas desobedecidas no caso Herzog.
REVELAÇÕES - Só nesse terço derradeiro a sentença revive os duros idos de outubro de 1975 - período de sombras em São Paulo. Personagem de evidência nessa época, o general Ednardo d'Avilla Mello, então comandante do II Exército, recolheu-se durante toda a semana passada, evitando pronunciar-se sobre o terceiro aniversário que se registrava. Na noite de sexta-feira, já conhecida a sentença do dr. Moraes, foi uma vez mais procurado por VEJA, em seu apartamento no Leme, no Rio de Janeiro. Uma neta, que atendeu, informou que o general havia saído, só voltaria bem mais tarde.
Em São Paulo, porém, dispôs-se a falar outro nome de destaque na ocasião, o então presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio Dantas. "0 general Ednardo", contou Dantas a VEJA, "afirmou que as prisões de jornalistas efetuadas se deviam a atividades contrárias ao regime. E prometeu que futuras prisões de jornalistas seriam comunicadas ao síndicato. Essa promessa não foi cumprida." Já depois da morte de Herzog, Dantas teria outro encontro com generais em serviço na área do II Exército - Ariel Pacca da Fonseca e José Ferreira Marques. Ambos insistíam na versão do suicídio de Herzog e, como prova, mostraram-lhe as fotografias do cadáver, anexadas ao laudo
necroscópico.
Eram as mesmas fotografias que, conforme VEJA revelou na semana passada (nº 529), indicam justamente que Herzog ou foi enforcado ou foi estrangulado. A cadeira à frente do cadáver em "suspensão incompleta" neutraliza, por si, um suicídio. Mais ainda, a existência de dois sulcos no pescoço demonstra, preliminarmente, que aquele seria um exemplo raríssimo, inédito até hoje nos anais da Medicina Legal, de suicídio por enforcamento. Pior: levam à suspeita de que, muito provavelmente, se trata de um caso brutal em que o cadáver foi estrangulado para dar a impressão de suicídio.
FALHAS ACÚSTICAS - Evidências ressaltadas na sentença do dr. Moraes e, antes disso, comentadas por vários sobreviventes daqueles tempos do DOI-CODI também esvaziam a versão oficial do suicídio. Todos os prisioneiros vestiam macacões sem cinto, sapatos sem cadarços; nada ficava, com eles, que pudesse ser usado contra a própria vida. De resto, é este um cuidado que os carcereiros de modo geral têm como instrução elementar. "Ora", escreveu o dr. Moraes, "se, como está provado, os funcionários da União Federal tomaram as cautelas necessárias para que os outros detentos não viessem a atentar contra a própria vida, não o fazendo, entretanto, em relação a Vladimir Herzog, tanto que lhe forneceram os meios para tanto, fica acentuada, mesmo dentro da versão da ré, a ocorrência da incúria do serviço causadora do evento danoso."
Cautelas de outra ordem, não incluídas nos autos, pautavam o comportamento dos carcereiros de Herzog. VEJA está em condições de informar que, no dia de sua morte, encontrava-se no DOI-CODI, um integrante de um grupo especial de perícia. Esse grupo se compunha de treze pessoas, sendo dez peritos da Polícia Técnica paulista e três médicos legistas. 0 perito que estava lá naquele 25 de outubro era um engenheiro, chamado para examinar o revestimento acústico das salas de interrogatório. Explica-se: os vizinhos das ruas Tutóia e Tomás Carvalhal (bem no centro do bairro residencial do Paraíso) estavam reclamando dos gritos que partiam do DOI-CODI. Esse engenheiro teve de interromper seu trabalho, pelas 14h30, quando Herzog morreu. Logo em seguida, chegaram lá os peritos Motoho Shiota e Sílvio Shibata (irmão do legista Harry Shibata, que, mesmo sem ter visto o corpo, assinou o laudo necroscópico do cadáver de Herzog). Também compareceu ao local um médico legista cujo nome não aparece no laudo do Instituto de Medicina Legal.
VEJA apurou, igualmente, que os responsáveis pelo interrogatório de Herzog eram os integrantes da Equipe 13, naquele sábado de plantão. Entre eles, havia um "Tenente Ramiro", portador de uma tatuagem no braço e cujo nome verdadeiro seria Pedro Mira Grancieri, investigador de polícia. Intimado a depor, Grancieri não compareceu. Outro que não compareceu à audiência de instrução e julgamento foi o "Capitão Ubirajara". 0 problema é que não existe um, mas vários "capitães Ubirajara". 0 primeiro deles, de fato capitão e de fato Ubirajara, pertenceu realmente à Equipe B, da qual era chefe. Depois dele, todos os seus sucessores na chefia da equipe adotaram o mesmo codinome - até chegar àquele que interrogou Vladimir Herzog sobre a suposta infiltração comunista em altos escalões da administração estadual de São Paulo.
RECURSOS - Hoje, a começar pela liberdade de que a imprensa goza, a investigação do caso Herzog pode caminhar rumo a respostas convincentes detalhes começam a surgir e, vagarosamente, um quebra-cabeça de informações vai tomando forma. Mesmo a televisão, sistematicamente proibida de referências a questões que a Censura considere delicadas, pôde noticiar, na sexta-feira passada, a sentença do juiz Moraes. Durante a madrugada, Clarice Herzog apareceria num longo, inédito depoimento à Rede Globo, falando da tortura e morte de Herzog em dependências do II Exército. A própria sentença já demarca uma trilha valiosíssima na apuração de casos relacionados à violação dos direitos humanos. 0 laudo que o dr. Shibata assinou, por exemplo, deixa de ser considerado uma peça comprobatória do suicídio, como está dito pelo juiz na lauda 56. Após minuciosa argumentação jurídica sobre a exigência de pelo menos dois peritos, o dr. Moraes indaga: "Qual seria, então, o valor probatório de um laudo de exame de corpo de delito realizado por um só perito?"

Cinco laudas adiante, a sentença ressalva que não pode afirmar categoricamente que o suicídio de Herzog não ocorreu. Declara, porém, que a ré também não conseguiu comprová-lo. E, mesmo se conseguisse comprová-lo, assevera o juiz, "não poderia pretender a exclusão de sua responsabilidade civil".
Tais termos prenunciam a condenação. Antes, entretanto, o juiz Moraes constata "nos presentes autos a prática o crime de abuso de autoridade, bem como revelações veementes de que teriam sido praticadas torturas não só em Viadimir Herzog, como em outros presos políticos nas dependências do DOI-CODI do II Exército". Só então, na lauda 66, julga-se a ação procedente, ficando a lauda final para a indicação dos próximos passos processuais.
Cabe à União, inicialmente, recorrer da sentença, tendo para isso um prazo de trinta dias. Havendo o recurso, os advogados da família Herzog disporão de quinze dias para apresentar sua argumentação. Mesmo, porém, que a União não recorra, o próprio juiz Moraes tem a obrigação - expressa, de resto, no último parágrafo da sentença - de encaminhar o processo ao Tribunal Federal de Recursos. Esse é o procedimento nos casos em que a União figura como ré e sofre condenação. 0 caso Herzog, portanto, não está encerrado - na verdade, as tramitações futuras podem se arrastar ainda por anos. E é a possibilidade concreta dessa processualística, enfim, o que de mais importante deve ficar consignado.
Rubem Paiva 
'UM DIA CHEIO' - De fato, a etapa agora cumprida pela família Herzog abriu um precedente, uma brecha que permitirá a passagem de quantos outros se interessem em procurar, nas barras dos tribunais, pelos direitos que um tempo de obscurantismo político tornava irremediavelmente perdidos. 0 tão camuflado desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, por exemplo, talvez possa agora se esclarecer. Também na semana passada, um meticuloso trabalho de reportagem do Jornal do Brasil já reconstituía a provação de Rubens Paiva, cassado em 1964, preso no dia 20 de janeiro de 1971 e dado como oficialmente desaparecido dois dias depois.
Tanto quanto a de Vladimir Herzog, a história de Rubens Paiva permanece incompleta, atravessada na consciência dos que têm consciência e que, agora, conseguem já respirar mais esperançosos. Muitas dessas pessoas, por certo, estavam entre as que telefonaram para o juiz Moraes na sexta-feira - "telefonemas bonitos, dizendo da certeza que tinham da total liberdade com que eu daria esta sentença", diz ele. "Para mim, foi um dia cheio, que ficará marcado na minha vida." Mais que isso, muito mais, deverá ficar como o dia que mareou uma nova era e Fixou um princípio novo na vida do Brasil contemporâneo. Como está na sentença do juiz Márcio Moraes, o país não pode mais, juridicamente, viver na concepção "de que 'The King can do no wrong', ou, na versão francesa, 'Le roi ne peut mal faire'". Como o rei nos regimes absolutistas, o Estado pode errar - e quando erra deve pagar, sem que, por isso, fique ameaçado de desaparecer.

Fonte - Revista Veja 01 de novembro de 1978