segunda-feira, 25 de junho de 2012

É muita sacanagem, falta de escrúpulos e cara de pau !


Aí tem?! “CAROÇO NESSE ANGÚ!” - Brasil não reabrirá investigação sobre Herzog

Governo diz à OEA que família já teve reparação e fica uma pergunta: - "Que reparação foi essa?!
                                  

O governo brasileiro informou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos que não vai reabrir a ação criminal sobre a morte do jornalista Wladimir Herzog devido à Lei de Anistia. O país havia dado a mesma justificativa quando foi questionado em 2010 pelas mortes na Guerrilha do Araguaia. A família de Herzog e entidades de direitos humanos vão contestar na Corte a resposta brasileira. O Brasil foi denunciado em março deste ano pelo caso Herzog.
- Recebemos com muita decepção. Estava esperançoso de que o governo, em função de instalação da Comissão da Verdade, fosse ter outra posição - desabafou Ivo Herzog, filho do jornalista, assassinado durante a ditadura.
Enterro do jornalista Vladimir Herzog
Militante do Partido Comunista e diretor de jornalismo da TV Cultura, Herzog compareceu espontaneamente para prestar depoimento no dia 24 de outubro de 1975, na sede do DOI-Codi, em São Paulo, depois de ser convocado pelo Exército para esclarecer suas atividades políticas.
No dia seguinte, foi apresentado como morto em sua cela por enforcamento com o próprio cinto. A versão foi contestada, já que os prisioneiros não ficavam com cinto. Ele também tinha marcas no pescoço que sugeriam estrangulamento como causa da morte. Outros prisioneiros relataram que Herzog foi torturado. Na época, o rabino Henry Sobel se recusou a enterrar Herzog, judeu, na área do Cemitério Israelita de São Paulo reservada para suicidas. O caso foi emblemático na luta pela redemocratização.
As entidades que apresentaram o caso Herzog à OEA acusam o governo brasileiro de não cumprir o "seu dever de investigar, processar, e sancionar os responsáveis pelo assassinato de Vladimir Herzog". Na denúncia, as entidades afirmam que o jornalista foi executado após ter sido arbitrariamente detido por agentes do DOI/CODI de São Paulo e lembram que a morte foi apresentada à família e à sociedade como um suicídio.
A investigação oficial do Estado brasileiro foi realizada por meio de Inquérito Militar, que concluiu pela ocorrência de suicídio. Seus familiares propuseram em 1976 uma ação civil declaratória na Justiça Federal que desconstituiu esta versão. Em 1992, o Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou a abertura de inquérito policial para apurar as circunstâncias do fato, mas o Tribunal de Justiça considerou a Lei de Anistia um óbice para a realização das investigações.
Em 2008, foi feita outra tentativa para iniciar o processo penal contra os responsáveis pelas violações cometidas. No entanto, o procedimento foi novamente arquivado, desta vez sob o argumento de que os crimes teriam prescrito.
Para a Corte Interamericana, as disposições da anistia não podem impedir a investigação e punição de responsáveis por "graves violações de direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciárias ou arbitárias". 

Ivo diz que a OEA não tem o entendimento de que a Lei de Anistia impede a apuração.
- Para a Corte Interamericana, tortura e assassinato são crimes que não podem ser enquadrados na Lei de Anistia - explicou Ivo.
A família reclama do fato de, até hoje, o atestado de óbito do jornalista apresentar o suicídio como causa de morte.
- Isso é uma tentativa de promover uma farsa. Não seremos coniventes com essa farsa. Queremos um atestado de óbito que reproduza as causas verdadeiras da morte.
Na defesa na OEA, o Brasil informou que houve reparação à família devido a um prêmio concedido pela Presidência da República ao Instituto Wladimir Herzog. Em nota, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República disse que a família de Herzog foi indenizada em 1997 e que o Estado "já reconheceu publicamente sua responsabilidade pela prisão arbitrária e morte".


Fonte - O Globo junho de 2012 


Em artigo escrito no dia 01 de novembro de 1978 pela Revista Veja : 

Sob o império da lei
Com a sentença que declara a
responsabilidade da União
no caso Herzog, a Justiça
brasileira sobe ao degrau onde
só cabem as nações civilizadas

O processo 136/76, ação declaratória, onde os autores são Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog, e a ré é a União Federal, terminou. A sentença de 67 laudas, com cerca de 17.000 palavras, ficou pronta na quarta-feira da semana passada - por coincidência, 25 de outubro, quando se completavam exatos três anos da morte de Vladimir Herzog, marido e pai dos autores da ação. Durante os dois dias seguintes, como acontece com qualquer dos milhares de ações que atulham a Justiça Federal em São Paulo, realizou-se o trabalho de datilografia, na 7ª Vara, encaixada no 8º andar de um prédio da central praça da República. Ali, na última sexta-feira, desviando-se das obras do metrô, os advogados Marco Antônio Rodrigues e Samuel MacDowell compareceram, como faziam rotineiramente, para saber do andamento da ação. Alguma novidade? Sim, desta vez o juiz Márcio José de Moraes tinha para eles uma enorme novidade: não só acabara de assinar a sentença como também declarava a União responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI paulista, órgão de segurança do II Exército, no dia 25 de outubro de 1975.
A decisão do juiz Márcio José de Moraes provocou, simplesmente, a mais crucial mudança de substância já mais registrada no desenvolvimento da questão dos direitos humanos no Brasil - e, por conseqüência, pode estar sendo o ponto de partida para fundas, eventualmente decisivas alterações de qualidade na própria face política do país. "0 mais importante, nisso tudo, é a presença do Poder Judiciário no processo de abertura política", disse na noite de sexta-feira a Flávio Pinheiro, de VEJA, o presidente nacional da OAB, advogado Raymundo Faoro. "A decisão do juiz reabre uma participação real da Justiça na vida do país, como poder independente."
De fato, a sentença encerra um tumultuado período em que a questão dos direitos humanos, no Brasil, era tratada fora dos circuitos legais do poder - como um item puramente moral ou, então, como mero arsenal para ataques ao governo. Desde a semana passada, com a sentença do juiz Moraes, um dos três poderes constituídos da República deixa enfim estabelecido que o Estado é responsável, objetivamente, por aquilo que faz. Ou seja, se alguém morreu, desapareceu ou sofreu violências enquanto estava sob a guarda dos serviços de segurança, vale não mais a regra das ditaduras, que é excluir o fato da apreciação da justiça, por supostos interesses superiores de Estado - e, sim, a regra das democracias civilizadas, que é fazer a administração pública responder pelos atos de seus agentes.
Raimundo Faoro - Presidente
CENTRO NERVOSO - Há quem, como o mesmo Raymundo Faoro, veja se melhanças entre essa nova presença da justiça e o processo político de 1945, quando se encerrou a ditadura de Getúlio Vargas. E, com efeito, parece inevitável que Justiça independente e regime autoritário não podem coabitar no mesmo país. "Um único homem, isolado numa vara cível, pôde tomar uma decisão capaz de vulnerabilizar toda a força do Estado", disse a VEJA o advogado Samuel MacDowell. "Esta é a grande vitória que alcançamos: demonstrar a todos os brasileiros que a ordem legal pode ser mantida."
Aí, na verdade, está a dimensão principal da histórica decisão da semana passada. Muito mais que uma derrota do regime, ou de algo que deixa mal o governo, o triunfo da ordem legal fixa um princípio - o de que o Estado brasileiro, mesmo nas questões de segurança, não pode estar acima das leis. É isso, no fundo, que faz a diferença entre Uganda e Inglaterra, entre a barbárie institucional e a civilização. E é por isso que o caso Herzog deixou de ser um episódio que diz respeito apenas a sua famílía, aos jornalistas das capitais e a algumas centenas de intelectuais, para se transformar no marco inicial de uma estrada inteiramente nova para a caminhada da questão dos direitos humanos no país.
A questão é fundamental não tanto, talvez, pelo número de brasileiros vitimados por violências em conseqüência de sua atuação política - de um ponto de vista puramente estatístico, poder-se-ia até dizer que são poucos. Mais que isso, ela mexe com o centro nervoso do regime ao colocar o problema da segurança dos cidadãos em relação a quem está ocupando o poder. Ou, até mesmo, ao colocar o problema de quem manda no país, se os funcionários relacionados no organograma oficial da administração ou as pessoas que controlam os serviços de segurança - e ali vão desenvolvendo, quando não subordinados à lei, uma espécie de governo paralelo.
VICE REIS - Neste sentido, o caso Herzog, desde o seu início, tem sido exemplar. A sentença do juiz Márcio Moraes é um marco decisivo, mas a verdade é que o país começou a mudar já com a própria morte do jornalista.
Pela primeira vez, na ocasião, a imprensa então livre de censura previa entrou de rijo numa questão deste teor - e, depois, não parou mais. Uma semana após a morte, 8 000 pessoas se concentravam na Catedral da Sé, em São Paulo, para um ato ecumênico -- a primeira manifestação de tal porte, após longos anos de silêncio. E dois meses depois, quando uma segunda morte - a do operário Manuel Fiel Filho - ocorreria nas dependências do DOI-CODI paulista, o presidente Ernesto Geisel demitiu sumariamente de seu posto o general Ednardo d'Avilla Mello, comandante do II Exército.
Era o início do desmantelamento do governo paralelo, a liquidação dos vice-reis militares que exerciam largas fatias de poder em suas regiões. 0 "Sistema", que pretendia tutelar o governo, começou a desmoronar - a ponto de, hoje em dia, quase não se falar mais nele. E a própria utilização da tortura entrou em progressivo declínio. Agora, com a decisão do juiz federal, as mudanças ganham uma substância institucional mais permanente. Seus desdobramentos podem ser múltiplos. "A sentença inicia um processo animador para a investigação de casos de pessoas desaparecidas", sugere Raymundo Faoro. "A liturgia é a mesma." Na verdade, se a Justiça puder seguir livremente seu curso, e outros casos como o de Herzog tomarem o mesmo caminho, os brasilei ros estarão virtualmente entrando num outro país - nada será como antes, após a decisão do processo 136/76.
FATO INCONTROVERSO - Forense a cada linha, rica em citações de doutrina, a sentença do juiz Moraes se esmera em seguir, com rigor, a melhor técnica processualística. Principia por um circunstanciado relatório baseado nos autos do processo. E esse histórico que se estende pelas primeiras 23 laudas, sintetiza com precisão os sombrios dias de São Paulo e da vida brasileira no segundo semestre de 1975. Pela documentação dos autores e da ré, transparece claramente a luta desigual que então se travava. De um lado, a família acusava: Herzog fora morto nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, DOI-CODI, do II Exército. Do outro, a União insistira que Herzog se apresentara espontaneamente ao DOI-CODI e ali se suicidara voluntariamente.
A sentença, do ponto de vista técnico, dá a impressão de não deixar brechas. "É o relatório. Passo a decidir", está lá escrito, começando pelo "fato incontroverso nos presentes autos que Vladimir Herzog ( ... ) sofreu morte não-natural" quando se encontrava no DOI-CODI. Daí em diante, até a lauda 32, segue-se um detalhado arrazoado sobre a responsabilidade do Estado em ações ou omissões de funcionários que resultem danosas a pessoa sob sua guarda. Depois, até a lauda 41, fica demonstrado, à luz da ciência do Direito, que a legislação brasileira adota esse princípio da responsabilidade em disposições que vêm da Carta Imperial de 1824 à Constituição de 1967 e à Emenda Constitucional 1/69, em vigor.
Por fim, como um martelo, a sentença do dr. Moraes vai golpeando tudo aquilo que andou encoberto e inatingível durante todos esses anos. "Cela", "detido", "grade", "prisão" e outros termos encontrados em documentos e testemunhos apresentados pela própria União são pinçados para demonstrar que Herzog estava efetivamente preso.
"Porém há mais", indica a sentença. "Pelo que consta destes autos, Vladimir Herzog estava preso ilegalmente." E vem uma relação de artigos e parágrafos da Constituição, da Lei de Segurança Nacional, do Código de Processo Penal Militar. Em todos esses diplomas legais, com mudança de uma ou outra expressão, estabelecem-se garantias mínimas ao prisioneiro - todas elas desobedecidas no caso Herzog.
REVELAÇÕES - Só nesse terço derradeiro a sentença revive os duros idos de outubro de 1975 - período de sombras em São Paulo. Personagem de evidência nessa época, o general Ednardo d'Avilla Mello, então comandante do II Exército, recolheu-se durante toda a semana passada, evitando pronunciar-se sobre o terceiro aniversário que se registrava. Na noite de sexta-feira, já conhecida a sentença do dr. Moraes, foi uma vez mais procurado por VEJA, em seu apartamento no Leme, no Rio de Janeiro. Uma neta, que atendeu, informou que o general havia saído, só voltaria bem mais tarde.
Em São Paulo, porém, dispôs-se a falar outro nome de destaque na ocasião, o então presidente do Sindicato dos Jornalistas, Audálio Dantas. "0 general Ednardo", contou Dantas a VEJA, "afirmou que as prisões de jornalistas efetuadas se deviam a atividades contrárias ao regime. E prometeu que futuras prisões de jornalistas seriam comunicadas ao síndicato. Essa promessa não foi cumprida." Já depois da morte de Herzog, Dantas teria outro encontro com generais em serviço na área do II Exército - Ariel Pacca da Fonseca e José Ferreira Marques. Ambos insistíam na versão do suicídio de Herzog e, como prova, mostraram-lhe as fotografias do cadáver, anexadas ao laudo
necroscópico.
Eram as mesmas fotografias que, conforme VEJA revelou na semana passada (nº 529), indicam justamente que Herzog ou foi enforcado ou foi estrangulado. A cadeira à frente do cadáver em "suspensão incompleta" neutraliza, por si, um suicídio. Mais ainda, a existência de dois sulcos no pescoço demonstra, preliminarmente, que aquele seria um exemplo raríssimo, inédito até hoje nos anais da Medicina Legal, de suicídio por enforcamento. Pior: levam à suspeita de que, muito provavelmente, se trata de um caso brutal em que o cadáver foi estrangulado para dar a impressão de suicídio.
FALHAS ACÚSTICAS - Evidências ressaltadas na sentença do dr. Moraes e, antes disso, comentadas por vários sobreviventes daqueles tempos do DOI-CODI também esvaziam a versão oficial do suicídio. Todos os prisioneiros vestiam macacões sem cinto, sapatos sem cadarços; nada ficava, com eles, que pudesse ser usado contra a própria vida. De resto, é este um cuidado que os carcereiros de modo geral têm como instrução elementar. "Ora", escreveu o dr. Moraes, "se, como está provado, os funcionários da União Federal tomaram as cautelas necessárias para que os outros detentos não viessem a atentar contra a própria vida, não o fazendo, entretanto, em relação a Vladimir Herzog, tanto que lhe forneceram os meios para tanto, fica acentuada, mesmo dentro da versão da ré, a ocorrência da incúria do serviço causadora do evento danoso."
Cautelas de outra ordem, não incluídas nos autos, pautavam o comportamento dos carcereiros de Herzog. VEJA está em condições de informar que, no dia de sua morte, encontrava-se no DOI-CODI, um integrante de um grupo especial de perícia. Esse grupo se compunha de treze pessoas, sendo dez peritos da Polícia Técnica paulista e três médicos legistas. 0 perito que estava lá naquele 25 de outubro era um engenheiro, chamado para examinar o revestimento acústico das salas de interrogatório. Explica-se: os vizinhos das ruas Tutóia e Tomás Carvalhal (bem no centro do bairro residencial do Paraíso) estavam reclamando dos gritos que partiam do DOI-CODI. Esse engenheiro teve de interromper seu trabalho, pelas 14h30, quando Herzog morreu. Logo em seguida, chegaram lá os peritos Motoho Shiota e Sílvio Shibata (irmão do legista Harry Shibata, que, mesmo sem ter visto o corpo, assinou o laudo necroscópico do cadáver de Herzog). Também compareceu ao local um médico legista cujo nome não aparece no laudo do Instituto de Medicina Legal.
VEJA apurou, igualmente, que os responsáveis pelo interrogatório de Herzog eram os integrantes da Equipe 13, naquele sábado de plantão. Entre eles, havia um "Tenente Ramiro", portador de uma tatuagem no braço e cujo nome verdadeiro seria Pedro Mira Grancieri, investigador de polícia. Intimado a depor, Grancieri não compareceu. Outro que não compareceu à audiência de instrução e julgamento foi o "Capitão Ubirajara". 0 problema é que não existe um, mas vários "capitães Ubirajara". 0 primeiro deles, de fato capitão e de fato Ubirajara, pertenceu realmente à Equipe B, da qual era chefe. Depois dele, todos os seus sucessores na chefia da equipe adotaram o mesmo codinome - até chegar àquele que interrogou Vladimir Herzog sobre a suposta infiltração comunista em altos escalões da administração estadual de São Paulo.
RECURSOS - Hoje, a começar pela liberdade de que a imprensa goza, a investigação do caso Herzog pode caminhar rumo a respostas convincentes detalhes começam a surgir e, vagarosamente, um quebra-cabeça de informações vai tomando forma. Mesmo a televisão, sistematicamente proibida de referências a questões que a Censura considere delicadas, pôde noticiar, na sexta-feira passada, a sentença do juiz Moraes. Durante a madrugada, Clarice Herzog apareceria num longo, inédito depoimento à Rede Globo, falando da tortura e morte de Herzog em dependências do II Exército. A própria sentença já demarca uma trilha valiosíssima na apuração de casos relacionados à violação dos direitos humanos. 0 laudo que o dr. Shibata assinou, por exemplo, deixa de ser considerado uma peça comprobatória do suicídio, como está dito pelo juiz na lauda 56. Após minuciosa argumentação jurídica sobre a exigência de pelo menos dois peritos, o dr. Moraes indaga: "Qual seria, então, o valor probatório de um laudo de exame de corpo de delito realizado por um só perito?"

Cinco laudas adiante, a sentença ressalva que não pode afirmar categoricamente que o suicídio de Herzog não ocorreu. Declara, porém, que a ré também não conseguiu comprová-lo. E, mesmo se conseguisse comprová-lo, assevera o juiz, "não poderia pretender a exclusão de sua responsabilidade civil".
Tais termos prenunciam a condenação. Antes, entretanto, o juiz Moraes constata "nos presentes autos a prática o crime de abuso de autoridade, bem como revelações veementes de que teriam sido praticadas torturas não só em Viadimir Herzog, como em outros presos políticos nas dependências do DOI-CODI do II Exército". Só então, na lauda 66, julga-se a ação procedente, ficando a lauda final para a indicação dos próximos passos processuais.
Cabe à União, inicialmente, recorrer da sentença, tendo para isso um prazo de trinta dias. Havendo o recurso, os advogados da família Herzog disporão de quinze dias para apresentar sua argumentação. Mesmo, porém, que a União não recorra, o próprio juiz Moraes tem a obrigação - expressa, de resto, no último parágrafo da sentença - de encaminhar o processo ao Tribunal Federal de Recursos. Esse é o procedimento nos casos em que a União figura como ré e sofre condenação. 0 caso Herzog, portanto, não está encerrado - na verdade, as tramitações futuras podem se arrastar ainda por anos. E é a possibilidade concreta dessa processualística, enfim, o que de mais importante deve ficar consignado.
Rubem Paiva 
'UM DIA CHEIO' - De fato, a etapa agora cumprida pela família Herzog abriu um precedente, uma brecha que permitirá a passagem de quantos outros se interessem em procurar, nas barras dos tribunais, pelos direitos que um tempo de obscurantismo político tornava irremediavelmente perdidos. 0 tão camuflado desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, por exemplo, talvez possa agora se esclarecer. Também na semana passada, um meticuloso trabalho de reportagem do Jornal do Brasil já reconstituía a provação de Rubens Paiva, cassado em 1964, preso no dia 20 de janeiro de 1971 e dado como oficialmente desaparecido dois dias depois.
Tanto quanto a de Vladimir Herzog, a história de Rubens Paiva permanece incompleta, atravessada na consciência dos que têm consciência e que, agora, conseguem já respirar mais esperançosos. Muitas dessas pessoas, por certo, estavam entre as que telefonaram para o juiz Moraes na sexta-feira - "telefonemas bonitos, dizendo da certeza que tinham da total liberdade com que eu daria esta sentença", diz ele. "Para mim, foi um dia cheio, que ficará marcado na minha vida." Mais que isso, muito mais, deverá ficar como o dia que mareou uma nova era e Fixou um princípio novo na vida do Brasil contemporâneo. Como está na sentença do juiz Márcio Moraes, o país não pode mais, juridicamente, viver na concepção "de que 'The King can do no wrong', ou, na versão francesa, 'Le roi ne peut mal faire'". Como o rei nos regimes absolutistas, o Estado pode errar - e quando erra deve pagar, sem que, por isso, fique ameaçado de desaparecer.

Fonte - Revista Veja 01 de novembro de 1978 







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